Carta: Ao Poeta!
Parabéns, meu querido Poeta! Ao deixar as mídias sociais, seu lado lírico ganhou mais força. Que venham os bons livros escritos com a alma e a história do seu autor, nos quais os erros de português signifiquem as correções da vida e a métrica em desconstrução possa reforçar que as mídias digitais podem muito. Porém, não tem como tirar de cada um de nós, escritores, a história que carregamos. Não falo tão somente de linhas feitas ou parágrafos construídos; meu dizer passa pela caneta que sua nos dedos de quem escreve; grito para as ideias que têm nome, sobrenome, endereço, enfim; as ideias que possuem um espaço e um tempo.
- Louco, mas louco mesmo, sou eu que perco tempo lendo os comentários de pessoas que nem mesmo conheço nos diferentes grupos dos quais participo. Contudo, há um propósito: mesmo que os comentários sejam feitos no calor da defesa, quase sempre política, eles refletem a situação de um povo que recebe as coisas prontas e divulgam-nas da mesma forma; deixaram, há muito tempo, de fato: não me recordo mais, quando foi que vi pessoas em grupos escrevendo sobre o que pensam.
Achei muito interessante (e, como não, vejo que é, por demais, louvável ver as ideias sendo construídas por meio dos erros). Entre a tentativa do acerto, mais, mesclado do erro. No final das contas, entre aspas eu posso dizer: “viva a escrita nossa de cada dia”.
- Viva e, contudo, viva de verdade nossa escrita. Aqui é o nosso palco, onde o saber ganha vida nos mais requintados escritos. Os poetas têm este microfone chamado grupo no qual podem escutar a escrita e a acidez de um coração que não deseja filtrar seus sentimentos. Vai lá – deixe seu coração dar as pinceladas das amarguras que deixam escondidas onde nem mesmo o “nós” temos a chave de acesso, onde o grito é engolido pela pessoa que construímos sobre nós mesmos. Depois, não tão distante de nós, encontramo-nos com aquela pessoa feita aos olhos dos outros, que não tem nossa essência, nossa marca de pertencimento. Existe aonde não se pode chegar; está onde ninguém consegue alcançar. É uma pessoa construída, afinal.
Por que cultivar uma planta que não poderá florir onde está? Assim, como aqui e em lugares distantes, existem pessoas que vivem a outra versão de si mesmas, construída aos olhares da sociedade. Forjaram as características impostas por outros, no entanto, _ como é verdade! Vive distante do seu verdadeiro “eu”. Carrega uma couraça que não é sua própria. Uma pessoa assim vive com as migalhas ditadas pelos outros, sem, contudo, saber do seu verdadeiro valor.
Fugiu de mim esta pessoa que louva os dizeres dos outros; esta pessoa foi embora de mim. Agora não lembro-me da caricatura feita de mim, para mim, antes: não sou mais o mesmo: mudei para a minha melhor versão: eu mesmo, sem dúvida, aquele que sabe dizer: “isso não pode”, “deste modo não está certo”. Um homem que, nas alturas que passam os aviões, segue com seus pensamentos ainda mais altos. Um homem que voe longe, sem deixar de ser o perto de si mesmo; aquele homem que vive a poesia cravada em seu coração: eu mesmo, o poeta!
- Mas, qual poeta? Escrevo ao poeta de alma límpida, sem mancha, sem rasuras, lavada com as palavras que lacrimejam a ensurdecedora agonia de estar gritando sem ouvidos ávidos.
Dizer o quê? Nada me convence, mas o convencido saiu de cena. Num torpor pôde gemer as minas de sangue que jorravam nas suas veias.
Não era dia, a tarde já havia deixado de existir, restava tão somente a madrugada para compor a melodia do silêncio. Os pensamentos estavam em alvorada, como se a luz que nasce lhe desse vida. Fazia-se ouvir nos saltos que dava nas páginas em branco, loucas para nascer entre os grandes ideais. Aos galopes os pensamentos saíam de sua mente como cavalos selvagens _ embrutecidos com o tempo, apressados como o raio e sem freio na boca _ e se manifestavam sobre as páginas que insistiam em passar cada vez mais rápidas, já cheias de ditos: os dizeres da alma. Os ditos imprimiam nas páginas em branco, que pareciam ganhar vida, um soluço de mil flechas, as quais se dispersavam pelo ar.
Cada linha, cada parágrafo, cada página cheia era mais um passo no desconhecido. Era um caminhar sobre as incertezas, como o borbulhar dos pensamentos incontroláveis. Estes, como num redemoinho, insistiam em varrer as páginas em branco, alicerçados num plano movido pelas almas silenciosas, aquelas que escutam a madrugada gemer.
- Enquanto gemia a alma, mais uma vez tentava silenciar um homem irrequieto. Não foi capaz, visto que seus dedos estavam treinados para ser uma voz aos ouvintes longínquos, nas costas de um leitão ou puxando um rato das alcovas infindas de seus esconderijos, seguia a voz como um cavalo disparado sem as rédeas e sem o cavaleiro assombrado. Era tão somente o desejo de não ver calar o poeta, não deixar morrer as poucas sombras que fazem abrigo aos homens que vivem das incertezas, mas se comprazem de suas ilusões. Doces ilusões!
Fugaz esta verve insana em querer calar um coração solto aos freios do dissabor. Causa ânsia de vontade de fazer vir à luz todos os pensamentos, sem colocar-lhes freios ou filtros; permitir o nascimento destes filhos que gestam nas madrugadas frias e que nascem entre os desatinos da vida era o mais provável para fazer calar quem quer silenciar um espírito que se contorce nas dores do seu íntimo.
- A tentativa de silenciar um poeta é logo abortada, pois ele não se limita a um único dizer. Mergulha nas infinitas possibilidades de se expressar ao mundo que o circunda, explorando cada canto de sua alma com intensidade. O poeta vê além daquilo que repousa no mais profundo de seu ser. Como um explorador nato, ele se vê dando braçadas em direção ao desconhecido, sendo carregado para o além. Vai longe, como vai! Chega perto de suas conquistas, mas logo é dissuadido pelos próprios olhos, que enxergam as múltiplas possibilidades de contemplar tudo de onde se encontra.
O poeta, destarte, ao ser impedido de se expressar, enraivece. Nervoso, quase se perde na fúria que o consome noite e dia. Mas, de tanta raiva, acaba deixando-a de lado, redescobrindo no coração a morada definitiva do amor – seu sentimento inspirador, aquele que o impulsiona a escrever seus desatinos e a se conectar com o mundo ao seu redor. Assim, o poeta se reinventa, mas não se deixa amedrontar com os erros; ao contrário, faz dos erros um caminho por onde passa o amor.
Padre Joacir d’Abadia, filósofo e escritor ✍🏾
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